
De todos os vícios, os de comportamento, os do ego, são sem dúvida, os mais doloridos... São os que provocam a pior abstinência. As crises são longas e diluídas no dia-a-dia.
Quem me dera suar, gritar, rolar no chão, espernear e expurgar tudo o que sinto em poucos dias!
Quem me dera não ficar com esse monte de ideias loucas, esse amontoado de sentimentos, essa cortina de emoções a me nublar a vista, a tirar a beleza e o colorido dos meus dias!
Quem me dera poder me internar nun lugar, quem me dera um punhado de pílulas coloridas pra disfarçar o gosto amargo de se abandonar a loucura, a mania, o vício... Quem me dera passar 3 meses recolhida e voltar renovada!
Não... não é tão fácil!
É preciso ouvir aquelas músicas, passar por aquelas ruas, falar com aquelas pessoas...
É preciso fingir que tudo vai bem e continuar, não deixar nunca de seguir em frente, mesmo que, por vezes, aos cacos...
Ir adiante como se nada nos ferisse, como se a vida não doesse, como se a vontade de estancar não sufocasse a garganta.
É preciso, dia após dia, calar a voz que grita atrás dos olhos, cegar os olhos que procuram, lavar as mãos que tateam na escuridão da loucura, lavar lavar lavar demais... pra limpar da sujeira que desejamos meter a mão de novo, mas a culpa, só por pensar, já nos macula...
É preciso, toda noite, fechar os olhos e rezar, pedir, chorar, cansar, cansar, cansar...
Pedir o indulto do esquecimento... Fechar os olhos acreditando em um novo dia.
Sufocar esse vício, um dia atrás do outro, numa luta longa e extenuante, é um funeral a cada tarde, sepultando velhos sonhos, manias, recordações, desejos, obsessões, vontades reprimidas...
É um cortejo à loucura, mas no final, um tratamento de choque da lucidez.
Se tudo fará efeito... ah, isso eu só vou saber no fim.
E ainda não acabou...
Vou fechar os olhos e tentar dormir, mas antes vou rezar, pedir, chorar, implorar para não sonhar mais com o objeto do meu pior vício.