Invernáculo

Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

(Paulo Leminski)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Ensaios

De que adianta te perseguir
Se o melhor acontece
Quando você me liga
De surpresa
No meio da tarde
Preenchendo o silêncio
Com meu nervosismo?

De que adianta
Tanta ansiedade, tanto ensaio
Se o melhor sempre acontece
Assim, naturalmente,
Sem treinos, sem rodeios
Desenrolando essa história
Apertando certos laços...

Não adianta nada
Essas conversas quem tenho na minha mente
A hora que eu olhar nos teus olhos
Vou esquecer o que decorei...
Teu sorriso ainda me tira o ar
E esse ensaio, era só pra não ficar
Sem verbo outra vez.

Não adianta querer encenar
Fazer de conta, dar a volta
Eu não sei jogar, não dá pra fingir
Quando me olha desse jeito
Eu perco todo o latim.
Logo eu, tão eloquente
Tão despojada, tão espontânea...
Não é justo isso de ficar suando frio,
Calculando gestos,
Medindo palavras...

Não vai adiantar
Meu coração não aprende
A não se arreganhar
E mandar uma enxurrada
De confissões
Inconfessáveis
Pela boca afora.
Meu cérebro filtraria esse rompante
Se não estivesse em pane
Tentando decifrar
Os teus sinais...

Não tem jeito, não vai dar pé
Nosso destino, eu já sei qual é
Eu vou continuar com essa cara
De quem ainda tá parada na pista
Te esperando voltar.
Parece ausência de amor próprio
Mas é só teimosia,
É mania de deixar a porta entreaberta
Então, desculpe se a palavra certa
Não sair direito no final.


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