Quando te vi
Te doei meus olhos de pronto
Os ouvidos, levei um tempo
Mas com eles, te dei meus ombros.
Em algumas horas, ombros colados
Histórias partilhadas e
Meus olhos perdidos no escuro
Captavam o que a fraca luz
Denunciava dos teus gestos
Narinas atentas...
Caçando seu medo e excitação
No ar.
A boca não calava, no nervosismo
De preencher o silêncio e o escuro
Mas de insuficiência de assunto
A conversa morreu.
Te doei as mãos vagas
Tateando as tuas no breu
Se eu doasse o suor, te banhava
Medo e apreensão
Desejo, tesão
Cortinas dágua enfeitam minha vergonha
De tudo o que de fato sinto, no fundo
E não posso te doar...
Desperto.
Meus sentidos fizeram certo.
Suas narinas me detectaram
Antes que eu pudesse
Disfarçar
Então as bocas se tocaram
Saliva, euforia, vontade
Transfusão de desejo
Fluxo saturado
Correntes contínuas e alternadas...
Choque.
Para um coração que se detém
Interrompe a batida
Segura a pulsação,
Choque.
Algo que recobre os batimentos,
Mãos suando, boca salivando
Tudo treme, confusão
Desorientação
Taquicardia
Membros autônomos de
Apreensão e desejo
Te sinto no escuro
Abro o peito sem aparelhos
Abro a boca pros teus beijos
Me invade a língua e essa fissura insana
Abro as pernas, finalmente
Te dou o júbilo de meus portais
O calor, o mel, o macio
Da profundeza, meu cio
Te recebo tenso e teso
Num calor ainda maior
Febre
Convulsão, nervos e músculos
Em explosão
Ao menor movimento.
Tremores e soluços
Hesitação
Parou diante dos portais
Não seguiu a luz
Ressucitamento
Renasci e renasceu
Suados e trôpegos
Sufocados de paixão
O corpo não responde
E a alma está perplexa,
Pairando sobre os corpos
Ouvidos abafados
Mãos descrentes
Olhos semi-cegos em meio ao
Sagrado silêncio e breu
Profanamos tudo isso
Com a ânsia e o dispudor
Da carne crua a se chocar
Dentes cerrados de tesão
Trocamos fluidos, olhares
Sorrisos nervosos na escuridão
Sem quase conseguir te ver
Sei o que faiscava nesse olhar,
Eu soube desde o primeiro.
Só sei, que, de corpo inteiro
Em cada célula ainda sou tua
Encharcada de suor e saliva e sêmen
Semente do eterno desejo
Eterno nó em minha garganta.
Cuspiste minha entranhas
Essa artéria ainda pulsa, estranha
E o sangue jorra sem estancar.
Me pergunto como respiro
Sem teu cheiro no ar
Pulmões teimosos
Não para de inflar.
Na fila do transplante
Aguardo ansiosa
Por um coração q não apanhe
Nem bata por você.