Invernáculo

Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

(Paulo Leminski)

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Cinza

Ele acordou, abriu a janela
Viu o céu
Revolto vento bateu
Céu cinzento
Não imaginava
Mas ela estava cinza também
Ele segue e faz suas coisas
Mas não esquece
Um segundo:
Como aquele rosto de menina
Se torna a cara
De sacana que ele tanto ama!?
Ele é capaz do pior crime por ela
E ela finge não se importar
E também finge se derreter
Ele é um maloqueiro
Ela é uma atriz
Será que no não-acaso da vida
Eles vão se resvalar?
Quantas luas ela precisa
Pra convencê-lo
De desistir
Ou de vender de vez
A alma?

Ele abriu a janela

E o vento era ela.

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