Invernáculo

Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

(Paulo Leminski)

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Velhos sorrisos velhos

Olho voces todos
Os enxergo sorridentes
Renitentes e reticentes
Sorrisos amarelos e sarcasmo
Essa cara de covarde
Todos vocês tem em comum.
Olho vocês
Daqui, desse dia perdido no futuro
O estático e imóvel passado
Inexorável e inútil
Tento achar algo
Alguma resposta
Busco o que cada um
Tinha em comum
(além da covardia)
Algo disso deve ajudar
A entender essa mania
De não deixar as coisas
Passarem
Olho pra vocês –
Meu estômago embrulha
Foram muitas
Cobras e lagartos
Muitos sapos embrulhados
Em lindos papéis de
“eu sinto muito” e
“eu não sou capaz”
Os piores e mais bonitos:
“Você sou eu de saias”
Ah, que lindo!!!
Mas o fato é que nenhum de vocês aguentou
Todos fugiram de alguma forma e agora
Meu estomago pesa
Por tanta porcaria que engoli
Não quero vomitá-las em vcs
Pra vocês eu guardei
O gosto do “quase”
Do “talvez”
Do “pudera”
Pra vocês eu deixo a dúvida
A incerteza
O cotidiano morno
O café que esfria
O erro repetido e repentino
A cara pálida no espelho
Pra vocês eu deixo
Meu sorriso de canto
Meu olhar Capitu
Vocês não tiveram as manhas
Não tiveram força, coragem, opinião.
Sou mais macho que vocês
Todos juntos
Não dou o troco
Porque de mim nada compraram –
Eu nunca estive à venda.
Pra vocês eu deixo a miséria
E a pobreza do que fizeram
Deixo a mesquinhez
Guardada em vossos bolsos
E a covardia atrás dos
Velhos sorrisos velhos
Velhacos! Nojentos!
Pra vocês eu deixo
Meu perfume no ar

E a certeza do “nunca mais”.

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