Invernáculo

Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

(Paulo Leminski)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Eu pedaço

Minha alma brilha,
Minha alma brilha!
Ela encontrou a tua,
Minha alma brilha!

Minha essência agita,
Minha essência agita!
Ela se completou da tua,
Minha essência agita!

Minha alma cria,
Minha alma cria!
Um jeito de te guardar um pouquinho pra mim,
Minha alma cria!

Meu corpo sonha,
Meu corpo sonha!
Ficar no teu cangote
Meu corpo sonha!

Minha cara ri,
Minha cara ri,
De mim mesmo, que fico finalmente tão à vontade ao teu lado,
Minha cara ri!

Meu coração grita
Meu coração grita!
Que não quer bater longe do teu,
Meu coração grita!

Meus olhos vacilam
Meus olhos vacilam!
Não quero olhar pro lado,
Meus olhos vacilam!

Meus nervos me traem
Meus nervos me traem!
Me deixam tremendo, vulnerável,
Meus nervos me traem!

Minha alma sorri,
Minha alma sorri!
Feliz da vida, plena, radiante, tua presença,
Minha alma sorri!

Eu inteiro, cada pedaço desses que me monta,
Canta, dança, vibra e ri
Porque se alimentou de ti.




quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Sinto

Quadros na parede
Cheiro de café
Pássaros nas árvores
Com seu piar...
Silêncio de manhã
Pão e paz
Misturam-se à manhã morna
Já sinto sua ausência
Sinto saudades dos dias
Que já passaram
Sinto ainda seu perfume pela casa
Sinto falta
Sinto muito
Sinto não ter sido
Seu mais raro amor...


sábado, 26 de outubro de 2013

Eu não acho que a vida seja um jogo.
Dias passam, dias veem, mas eu não consigo acreditar. Não pra mim.
Não consigo acreditar que pras pessoas, o certo é encenação, blefe, mentiras e trapaças.
Eu me recuso a participar disso.
Entendo que no caminhar, a gente se engana, a gente comete erros, a gente se perde por entre caminhos estranhos, atalhos inúteis... com isso, quem nos acompanha, também acaba atônito... é normal. É chato, mas é comum.

Mas não. Eu não vou aceitar que minha vida seja um jogo.

Não estou competindo com ninguém, por isso, não é um jogo.
Não quero que ninguém saia perdendo, por isso não é um jogo.
Não blefo, por isso não é um jogo.
Não quero tirar vantagem, por isso não é um jogo.
Não faço estratégias, por isso não é um jogo.

Não posso ser vencedora em algo que tenho de fazer sozinha.
Chegamos e partimos sozinhos. Isso é um jogo?

Não pra mim. Eu não permito.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Chuva

Chuva, me lave
Chuva pesada
Chuva leve
De mim essas dores
Que não doem
Esses amores
Que não constroem
Me leve, me lave
Só deixe o que for meu

Chuva, chuva

Chova sobre o meu caminho
Sobre o meu destino
Chuva, chova
Pese sobre mim
Tire o que me pesa
Me deixe molhada e leve
Leve, me leve...

Chuva minha

Me chova
7 noites sem parar...
Minha chuva, minha amiga
Traga a morte
Lave a vida...

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Não existe justiça no amor - Fabrício Carpinejar

_http://www.contioutra.com/nao-existe-justica-no-amor-fabricio-carpinejar/ Não confie na frase de sua avó, de sua mãe, de sua irmã de que um dia encontrará um homem que você merece.
Não existe justiça no amor.
O amor não é censo, não é matemática, não é senso de medida, não é socialismo.
É o mais completo desequilíbrio. Ama-se logo quem a gente odiava, quem a gente provocava, quem a gente debochava. Exatamente o nosso avesso, o nosso contrário, a nossa negação.
O amor não é democrático, não é optar e gostar, não é promoção, não é prêmio de bom comportamento.
O melhor para você é o pior. Aquele que você escolhe infelizmente não tem química, não dura nem uma hora. O pior para você é o melhor. Aquele de quem você procura distância é que se aproxima e não larga sua boca.
Amor é engolir de volta os conselhos dados às amigas.
É viver em crise: ou por não merecer a companhia ou por não se merecer.
Amor é ironia. Largará tudo — profissão, cidade, família — e não será suficiente. Aceitará tudo — filhos problemáticos, horários quebrados, ex histérica — e não será suficiente.
Não se apaixonará pela pessoa ideal, mas por aquela que não conseguirá se separar. A convivência é apenas o fracasso da despedida. O beijo é apenas a incompetência do aceno.
Amar talvez seja surdez, um dos dois não foi embora, só isso; ele não ouviu o fora e ficou parado, besta, ouvindo seus olhos.
Amor é contravenção. Buscará um terrorista somente para você. Pedirá exclusividade, vida secreta, pacto de sangue, esconderijo no quarto. Apagará o mundo dele, terá inveja de suas velhas amizades, de suas novas amizades, cerceará o sujeito com perguntas, ameaçará o sujeito com gentilezas, reclamará por mais espaço quando ele já loteou o invisível.
Ninguém que ama percebe que exige demais; afirmará que ainda é pouco, afirmará que a cobrança é necessária. Deseja-se desculpa a qualquer momento, perdão a qualquer ruído.
Amar não tem igualdade, é populismo, é assistencialismo, é querer ser beneficiado acima de todos, é ser corrompido pela predileção, corroído pelo favoritismo. É não fazer outra coisa senão esperar algum mimo, algum abraço, algum sentido.
Amor não tem saída: reclama-se da rotina ou quando ele está diferente. É censura (Por que você falou aquilo?), é ditadura (Você não devia ter feito aquilo!). É discutir a noite inteira para corrigir uma palavra áspera, discutir metade da manhã até estacionar o silêncio.
Amor é uma injustiça, minha filha. Uma monstruosidade.
Você mentirá várias vezes que nunca amará ele de novo e sempre amará, absolutamente porque não tem nenhum controle sobre o amor.
Fabrício Carpinejar

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Pressa

Não me faça esperar
Que meu corpo tem pressa
Meu sangue ferve e gela
Sem você aqui
Minhas funções vitais me abandonam
Sem tua voz ao telefone
Sem notícias, sem paradeiro
Chega logo que eu tenho pressa
Minha cabeça funde
Penso, onde estará
Porque não me liga
Meu coração tem pressa
Quer saber porque
Não estás aqui,
Batendo junto a ele
Não me faça esperar
Nem mais um minuto
Minha boca seca,
Sem tua saliva
Já não pode dizer palavra
Perdeu o sorriso
Não me faça esperar
Que eu não quero ficar longe
Nem mais um momento
Dos teus olhos , ressaca
Que me despem
Me fatiam
Me atravessam
Não aguento mais um dia
Longe das mãos que me prendem
Os ombros
Os flancos
Os sonhos
Não aguento mais estar distante de
Quem sou
Diante de você.


Transversal

Moro no teu cheiro
Teu aroma é minha casa
Quero dormir e acordar
No aconchego
Quero viver nesse intervalo

Vivo no teu perfume
Teu cheiro é o que me faz caçar
Quero fremir, extasiar
No aconchego
No intervalo do teu pescoço
Encontrar a fonte...

Teu cheiro é meu lar
Quando o detecto
Sei que estou em casa
Esse sabor, eu provo e tomo
E eu sei que estou segura.

Minha perdição é teu aroma
E quando ele me invade
Sei que estou em perigo
Esse perfume, eu provo e tomo
E eu sei que ele é meu veneno.

Vivo entre o ser e o estar
Me confundo entre o estar e o ter
Sofro de uma ambígua felicidade
Que me faz doer .
Nem a paz que alenta
Nem a tentação que condena

Sou a brasa que arde
Sou o fole que assopra
Estou sempre precisando ser salva
Estou sempre querendo ser livre
Tenho vontade de ficar onde estou
Tenho ânsia de buscar outras vidas.

Esta não é uma guerra entre vocês
Nenhum dos dois é tão especial.
Essa guerra é minha
O conflito é todo meu
Eu criei esse embate
Esta distancia que percorro
Entre o que sou e o que quero ser
Não se trata de quem sois
Trata-se do que preciso

O que preciso e não tenho
O que tenho e não quero
O que quero e não preciso

Estou paralela a mim
Eu me atravesso
Eu me extravaso

Eu não posso mais caber em mim.

Ensaios

De que adianta te perseguir
Se o melhor acontece
Quando você me liga
De surpresa
No meio da tarde
Preenchendo o silêncio
Com meu nervosismo?

De que adianta
Tanta ansiedade, tanto ensaio
Se o melhor sempre acontece
Assim, naturalmente,
Sem treinos, sem rodeios
Desenrolando essa história
Apertando certos laços...

Não adianta nada
Essas conversas quem tenho na minha mente
A hora que eu olhar nos teus olhos
Vou esquecer o que decorei...
Teu sorriso ainda me tira o ar
E esse ensaio, era só pra não ficar
Sem verbo outra vez.

Não adianta querer encenar
Fazer de conta, dar a volta
Eu não sei jogar, não dá pra fingir
Quando me olha desse jeito
Eu perco todo o latim.
Logo eu, tão eloquente
Tão despojada, tão espontânea...
Não é justo isso de ficar suando frio,
Calculando gestos,
Medindo palavras...

Não vai adiantar
Meu coração não aprende
A não se arreganhar
E mandar uma enxurrada
De confissões
Inconfessáveis
Pela boca afora.
Meu cérebro filtraria esse rompante
Se não estivesse em pane
Tentando decifrar
Os teus sinais...

Não tem jeito, não vai dar pé
Nosso destino, eu já sei qual é
Eu vou continuar com essa cara
De quem ainda tá parada na pista
Te esperando voltar.
Parece ausência de amor próprio
Mas é só teimosia,
É mania de deixar a porta entreaberta
Então, desculpe se a palavra certa
Não sair direito no final.


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

"só mais um shot
só mais um trago
só mais um baque
só mais um
só mais...
só..."

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Por você...


Por você,
Vou ficar mais 5 minutos no banho
Vou dar pinceladas de rímel a mais
Vou borrifar um pouquinho mais de perfume...


Por você
Vou soltar aquele sorriso
Vou usar aquele vestido
Vou ousar aquele batom...

Por você
Vou usar algum salto
Te tomar de assalto
Vou correr velhos riscos...

Por você
Eu mergulho
Engolindo o orgulho...
Olvidando promessas...

Quantas coisas eu já fiz
Por você
Sem você saber?!?

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Alma irmã

Às vezes não dá pra entender como eu quero bem... Como eu quero tão bem.
Nem eu compreendo.
Mas vem de dentro, vem lá do fundo e sim, eu sei q é sincero. Vc também sabe.
Há um calor que aquece nossas palavras e nos garante essa credibilidade. Não sei explicar. Mesmo sem os 'olhos nos olhos', mesmo sem ouvirmos nossas vozes, mesmo sem a linguagem do nosso corpo... Há algo que brilha, que mostra q isso tudo é de verdade.
Que vcs sejam muito felizes, que vcs se bastem, se completem, se compreendam... Que haja amor e uma felicidade obscena! que aquela alegria absurda preencha o silencio que houver entre vocês.
Da eterna alma irmã.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Girassol

Aceito q sejas meu Sol
De ti vem toda minha luz...
Tu me aqueces,
Tem noites q me incendeia
Mas por vezes te caço
Até o dia raiar
Em sonhos e convulsões
Aceito e percebo
Que és meu astro rei
Mas me custa acreditar
Que sou a Lua
Dói-me pensar q cruzaremos
Os céus pela eternidade
Sem nunca nos encontrarmos...
Não aceito, não aceito...
Não quero ser a Lua!!!
Eu queria qualquer coisa
Que me fizesse tua
Não quero ser quem ilumina
Pela noite a fora
A rua escura
Quero a tua luz, quero tua luz...
Meu Sol, meu calor, minha Luz...
Porque te afastas, não aceito!
Sigo ferida aqui no peito
Sigo sem me reconhecer
Sendo a Lua a se esconder
De tristeza e desilusão
Tenho inveja dos planetas
Que giram sempre ao teu redor
Tenho raiva de mim mesma
E essa dor eu sei de cor
Não aceito ser tua Lua, meu Sol,
Não aceito outra noite
Sozinha em meu lençol...
Não aceito essa solidão...
Estrelas tão distantes q sequer
Me emprestam o brilho...
Meu Sol, meu Sol...

Meu motivo...

"Knocked Up"

"Eu não ligo para o que os outros dizem
Eu vou ter um bebê
Quebrada e cheia de dívidas
Minha mãe tentou me ajudar
E alguns amigos tentaram me julgar
Algumas pessoas acham que eu vivo delirando
Mas minha rotina não tem espaço pra preguiça
Batalhando como um guerreiro solitário
Às vezes vencendo, às vezes vencido
Como um bêbado sóbrio...
Mas confesso que nem sei pra onde estou indo
Fingindo não estar perdida
Ninguém mais vai amar esse bebê como eu
Não é egoísmo, mas ele será só meu
Eu estou detonada
De calças curtas, com a cara suja
Caçando um rumo, como uma renegada
Em meio a essa cidade estranha...
Arrepiada de frio, barriga roncando
Mas eu não ligo pro que eles dizem
E vou ter esse bebê...
Eu não me importo com o que minha mãe diz
E mesmo falida, cheia de dividas,
Eles só querem me rotular..."

Escrevi essas linhas ao som de "Knocked Up" - Kings of Leon, durante a gestação do Miguel, meu segundo filho.
Apesar das dificuldades, apesar de toda a tormenta, em nenhum momento me arrependo de ter confiado na alegria da tua existência, filho!

Restos

Desisto dos meus nervos
Meus músculos entregues
Estão arrastando no chão...
Meu cérebro foi parar no estômago
Minha barriga está inchada como um balão...
Desisto dos meus pés cansados
Eles não agüentam mais andar
Minhas pernas perderam o rumo
Não mais me levam
A nenhum lugar...
Meus olhos cansaram
De ter lágrimas como pálpebras
E pálpebras pesadas de tristeza e solidão
Minha boca perdeu o verbo
De tanto repetir teu nome
Meu sorriso se foi
Como quem tivesse perdido a dentadura
Meus ouvidos não registram mais nada
Do que eu deveria ouvir
Alheia e morta
Dentro de um saco de ossos
Pretensamente vivo...
Isso não é vida
Meu coração dissolveu
Dói o buraco que ficou...
É a única dor q realmente dói
E ninguém, ninguém no mundo pode ver
Ninguém, exceto você
Poderia curar...
Meu espelho embaçou
Se recusa a me deixar mais triste
Em refletir o que sobrou de mim no chão...
Então, tenha um bom dia
Só liguei pra saber como você está...
Eu continuo aqui
Morrendo sem você voltar
Definhando de uma saudade
Sem jeito
Sendo engolida por um buraco negro
No peito
Desaparecendo de ciúme e
Despeito
Seja feliz como você escolheu,
Eu respeito
Os restos de amor que me atira
Eu rejeito
Chega de morfina
Chega de mentira
Quero abraçar minha lápide meu travesseiro
E ser esquecida como a grama

Que você adora  pisar.

Final de novela

Você parte
E me sobram as lembranças
Teu travesseiro
Teus discos
E teu perfume no ar
Você vai
E tudo perde a cor
E nada faz sentido
Ficam só os restos do nosso amor
Algumas marcas
Na alma e no lençol...
Quem disse que amar não é ridículo?
Se quando você se vai
Me sobra o ciúme
A incerteza de você voltar?
Me resta ser brega
E chover no molhado
Me resta essa cara
De quem comeu e não gostou
Me resta ligar
E a você
Não atender...
Me resta torcer contra
Me resta ser ridícula
Com esse gosto que sobrou
Com essa moda que ficou
De algumas gerações atrás...
Me resta ser romântica
Como alguém que já foi Hilda Furacão
E hoje tá mais pra Hilda Tibiriçá
Me resta torcer pra você voltar
Me resta esperar pelo final feliz
Daqueles q só novela tem
Mas a piada perdeu a graça,
Não consigo acreditar
Que essa espera será de graça
Perdendo o ritmo
Perdendo o riso
Perdendo o Oscar

Da personagem principal...

Silêncio

O silêncio dessa casa
Ainda insiste em dizer seu nome
Bom, ao menos
Ele não grita mais...
Logo em breve ele se cala
E o vazio estéril e gelado
Da ausência tua
Vai tomar conta de mim.
Bom, ao menos
Ainda restará uma companhia
O vazio
Dança ao meu redor
Ri seu riso gelado em minha cara
Assopra de leve minhas orelhas
Bom, ao menos
Alguém se lembrou de soprá-las...
Amanhã tudo isso passa
Amanhã eu serei forte
E depois de amanhã mais forte ainda
Mas hoje não.
Guardei o dia de hoje
Pra velar teu luto
O luto de um amor que nunca
Foi um amor completo
E que morreu estrebuchando
No vulcão das circunstâncias
Só hoje estou de preto
E guardo no teu travesseiro
As últimas lágrimas de lamento
Amanhã não lamentarei mais
Não direi palavras amargas
Não me arrependerei do que eu fiz
Mas hoje não
Guardei o dia de hoje
Pra me arrepender de cada momento
Pra fazer a Mea Culpa
Pra carregar a responsa comigo
Desse amor que se acabou
Antes mesmo de começar
Amanhã eu vou sorrir
Sem a tristeza de quem ri pra não chorar
Sem a obrigação de parecer forte
Sem a pretensão de esconder que errou
Mas hoje não
Guardei o dia de hoje
Pra poder chorar
Não por estar fraca, nem por ter errado
Chorar de amor, chorar de dor
Chorar meu fracasso
Por que amanhã eu aprenderei
E serei alguém melhor
Amanhã não serei triste

E amanhã poderei ser forte.

Não discuto

não discuto com o destino o que pintar eu assino (Leminski)

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Vício

De todos os vícios, os de comportamento, os do ego, são sem dúvida, os mais doloridos... São os que provocam a pior abstinência. As crises são longas e diluídas no dia-a-dia. Quem me dera suar, gritar, rolar no chão, espernear e expurgar tudo o que sinto em poucos dias! Quem me dera não ficar com esse monte de ideias loucas, esse amontoado de sentimentos, essa cortina de emoções a me nublar a vista, a tirar a beleza e o colorido dos meus dias! Quem me dera poder me internar nun lugar, quem me dera um punhado de pílulas coloridas pra disfarçar o gosto amargo de se abandonar a loucura, a mania, o vício... Quem me dera passar 3 meses recolhida e voltar renovada! Não... não é tão fácil! É preciso ouvir aquelas músicas, passar por aquelas ruas, falar com aquelas pessoas... É preciso fingir que tudo vai bem e continuar, não deixar nunca de seguir em frente, mesmo que, por vezes, aos cacos... Ir adiante como se nada nos ferisse, como se a vida não doesse, como se a vontade de estancar não sufocasse a garganta. É preciso, dia após dia, calar a voz que grita atrás dos olhos, cegar os olhos que procuram, lavar as mãos que tateam na escuridão da loucura, lavar lavar lavar demais... pra limpar da sujeira que desejamos meter a mão de novo, mas a culpa, só por pensar, já nos macula... É preciso, toda noite, fechar os olhos e rezar, pedir, chorar, cansar, cansar, cansar... Pedir o indulto do esquecimento... Fechar os olhos acreditando em um novo dia. Sufocar esse vício, um dia atrás do outro, numa luta longa e extenuante, é um funeral a cada tarde, sepultando velhos sonhos, manias, recordações, desejos, obsessões, vontades reprimidas... É um cortejo à loucura, mas no final, um tratamento de choque da lucidez. Se tudo fará efeito... ah, isso eu só vou saber no fim. E ainda não acabou... Vou fechar os olhos e tentar dormir, mas antes vou rezar, pedir, chorar, implorar para não sonhar mais com o objeto do meu pior vício.